Em Salvador, motoristas de aplicativo enfrentam um dilema diário: escolher sabiamente as corridas que aceitam, pois certas áreas da cidade estão sob o controle do crime organizado, representando um risco iminente para suas vidas. Um exemplo disso é o bairro de Saramandaia, onde o Comando Vermelho exerce domínio estrito sobre quem entra e sai, a fim de evitar a presença de policiais disfarçados e rivais que se infiltram na região como motoristas de aplicativo.
Na Rua do Tubo, atrás de uma conhecida madeireira, membros do Comando Vermelho, portando fuzis e carabinas, abordam veículos com vidros escuros e com dois ou mais ocupantes, mesmo durante o dia.
À noite, a regra é clara: manter a luz interna ligada e os vidros abaixados para evitar que o carro seja alvo de tiros. Infelizmente, um motorista de aplicativo, Demeval da Silva Oliveira, de 59 anos, desobedeceu essas normas no dia 2 deste mês, por volta das 20h, e acabou pagando com sua vida, com seu Sandero sendo crivado de balas. Para esses trabalhadores, lidar com a presença do poder paralelo não é apenas uma mudança na forma de trabalhar, mas sim uma questão de sobrevivência.
Nos últimos dias, as regiões próximas ao cemitério Campo Santo, na Federação, têm sido palco de confrontos entre policiais e traficantes. Esses conflitos resultaram em mortes, reféns, toque de recolher, suspensão de aulas e atendimento em unidades de saúde, casas abandonadas por moradores aterrorizados e outras consequências. No entanto, para entender o que está acontecendo hoje, é necessário relembrar alguns eventos passados.
Essas são duas áreas vizinhas, mas divididas por uma rivalidade histórica entre o Bonde do Maluco e o Comando Vermelho. Essa rivalidade pode ser rastreada até uma família de criminosos, os Floquet. A matriarca, Selma Floquet, foi presa e condenada em 2007, sendo aliada de César Lobão, um dos fundadores do extinto Comando da Paz (CP). Após várias mortes, o clã perdeu o controle do Alto das Pombas para o BDM (Bonde do Maluco) e estava confinado a uma pequena parte do Calabar. No entanto, em 2020, o Comando Vermelho ganhou força e recuperou território, absorvendo o CP. Hoje, as duas maiores organizações criminosas coexistem nesse espaço, gerando medo entre os residentes.
Uma questão que intriga é por que se tornou tão comum que criminosos invadam imóveis e façam reféns durante perseguições policiais, transmitindo tudo nas redes sociais. Alguns especialistas argumentam que é uma tática das facções, importada dos morros cariocas, para evitar confrontos diretos com as forças de segurança. No entanto, outros, mais ligados aos direitos humanos, acreditam que essa seja a única maneira que os traficantes encontraram de não serem mortos, mesmo quando já estão rendidos pela polícia.
Um caso recente exemplifica isso, em que um homem manteve uma família, incluindo crianças, como reféns em meio à tensão no Alto das Pombas, no dia 4. Surpreendentemente, em certo momento, a transmissão ao vivo alcançou 8 mil espectadores. As vítimas foram eventualmente libertadas e o homem foi preso. Resta saber se o público apoiou ou condenou o desfecho desse incidente.